O Primo Basílio
1.Seria possível reconstituir a aparência física de Juliana? Em sua opinião, por que o narrador assim procede ?
Sim, seria possível. Ainda admite-se que, em muitas vezes, Juliana depara-se com a necessidade de decidir-se face a face da colisão de valores: se permanece com as atitudes de criada malcriada é, portanto, agente de rebeldia humana sua malvadeza; se suas atitudes são de criada subserviente, ressalva os valores da temeridade, da passividade aos sofrimentos terrenos, agente, pois, de bondade, generosidade . Diante dessa dicotomia, a personagem passa por terríveis conflitos, ao mesmo tempo em que vive e revive fronteiras desses valores, maldade, bondade, generosidade e enfrenta situações limite em que aspectos são tidos como essenciais da própria realidade do humano. Essa dicotomia da personagem Juliana representada como moeda sociopolítica, é construída por um Eça sob os moldes do sentido ideológico da escrita realista; conforme Benjamim Abdala et al (1990, p. 104) “o primeiro desses moldes visava à critica ao tradicionalismo vazio da sociedade portuguesa. É perceptível desde então que, o espaço, no qual Juliana se insere define-se como um modelador de suas características, sendo compreendido na assertiva naturalista de que o homem é o produto do meio.
2. Juliana alimenta alguns sonhos. quer ter um negócio, uma tabacaria, uma loja de quinquilharias - ela quer governar ; ser patroa .De que natureza são os sonhos de Juliana?
Juliana, sentindo-se maltratada por todos os patrões que servira, não suportava mais sua condição de doméstica, por isso ansiava por sua independência: queria ser patroa dona de algo que lhe dar autonomia. Os métodos para conquistar sua emancipação não foram legítimos, mas a chantagem lhe valeria a liberdade. A sua aspiração era ter um negócio que a libertasse das tiranias do serviço doméstico que sofria à vinte anos. A doença fá-la perder as economias que juntara, aumentando-lhe a revolta e o despeito.
3.O narrador de O primo Basílio é onisciente e onipresente, isto é, domina todos os fatos e está em todos os lugares da narrativa. Em certo momento da
descrição de Juliana, ele parece ter uma profunda simpatia pela criada. Você concorda com essa afirmação? Se a resposta for afirmativa, aponte o trecho simpático à personagem.
Sim. O sociopolítico de Juliana é a representação em seus aspectos fragmentários do ideário crítico de Eça transposto num incessante sentimento de inferioridade psíquica transmutado no inconformismo; ela é a evocação do contexto pobre, simplista (a marginalidade social), mas que, suficiente e convincente, detém poder de expor feridas, o podre burguês.
Ela não sofre apenas e simplesmente de uma oposição entre classes; ela é em si mesma, o fazer e o não fazer, o ser e o não ser coexistem com intenções do fazer/ser o núcleo e extremos das situações desenroladas no interior do romance.
4.Observe que o narrador se deteve bastante na figura da criada Juliana:mostrou que ela desde pequena assistira ao trabalho servil de sua mãe ;que logo ela mesma foi empregar –se como doméstica ; que nunca se acostumava a servir ; que o trabalho diário a embrutecera. Que tipo de tese o autor quer provar?
Juliana se mostra filha desconforme do despeito, do ódio surdo, da inveja, com seus ingênuos arrebiques, seus chibantismos de filha do povo, desprezada do amor e da sorte, viril, magra, seca, venenosa. Tudo isso como espécie de mecanismo para o seu pleno funcionamento nas malhas da narrativa, podendo mesmo vir ser representações de tipos sociais, com seus costumes e valores constituímos o objeto de análise a que pretendemos discutir: a personagem Juliana como faceta ou mesmo representação sociopolítica na obra queirosiana O primo Basílio.
5.Embora seja uma personagem secundária ,Juliana concentra em si uma força dramática muito grande. Ela é uma das personagens mais vivas de Eça de Queirós. A sua história e o seu mau caráter possuem muita autenticidade. Por que ela sobressai em O primo Basílio?
Uma personagem que deveria ser considerada secundária, mas que se destaca de todas, pela importância que progressivamente adquire na narrativa. Eça torna visível o caráter ficcional de seu texto. Não que uma ficção venha depender das personagens para definir-se enquanto tal, mas “o critério revelador mais óbvio é o espistemológico, através da personagem, mercê da qual se patenteia (...) a estrutura peculiar da literatura imaginária.” (CÂNIDO, et al. 2002, p.27). Encontramos em personagem Juliana, a criada em revolta secreta contra sua condição, ávida de desforra, a personagem em questão da obra queirosiana, condições mais que necessárias das já expostas para a entendermos como reflexo ou símbolo de tipos sociais. As representações que nela encontraremos têm maior coerência do que as pessoas reais, não as
desmerecendo, mas a personagem de ficção – e incluímos Juliana – carrega maior significado e, paradoxalmente, também maior riqueza, em virtude da concentração, seleção, densidade e estilização do contexto imaginário que reúne os destinos das outras personagens no intercurso textual. Juliana constitui mesmo espécie de elo que carreia para o desfecho, o fim da trama, a figura que concentra os fios dispersos e esfarrapados de uma realidade num padrão firme e consistente.