
MEMÓRIAS SENTIMENTAIS DE JOÃO MIRAMAR
A obra Memórias Sentimentais de João Miramar, de autoria Oswald de Andrade (1890-1953), pode ser considerada uma representante autêntica da Semana de Arte Moderna de 1922. Isto se comprova por meio de suas características desde a narração até os seus personagens. Com uma narrativa sem uma ordem cronológica definida, na qual os fatos acontecem de acordo com a vontade e provocações causadas pelos sentimentos de João Miramar, a obra dá ênfase a cada acontecimento conforme relevância para seu narrador. Esse “descaso” com o tempo ocorre também com descrições de locais e perfis de seus personagens, ponto no qual se identifica uma oposição à literatura de vanguarda proposta pelos modernistas.
Não há uma preocupação em analisar o que se passa dentro de cada ser envolvido na história, mas sim o objetivo em comum a todos: seu apego em excesso ao dinheiro. Esse objetivo é que delineia o rumo da narrativa. Oswald de Andrade trata sua obra como uma verdadeira tela de pintura modernista, um mosaico composto pela sua oposição ao estilo literário da época e crítica social.
A narração aborda diversos aspectos como: os interesses envolvidos nas relações humanas, a guerra mundial, os produtores de café, a sociedade paulista da época até uso de dinheiro público para fins particulares. Mas cabe salientar e dar foco à dinâmica das relações desenvolvidas numa sociedade burguesa, o que as movimenta, quais os interesse em torno de tais laços e com essa dinâmica, Oswald de Andrade expõe o centro de tudo isso: o dinheiro.
Dinheiro que faz acontecer “uniões” “casamentos” por assim dizer, numa sociedade regida pela burguesia, um homem e uma mulher se juntam com fins lucrativos. No caso, João Miramar se “apaixona” por sua prima visando o bom patrimônio que a mesma possuía, maior até que o seu. Essa é uma atitude muito comum até hoje, afinal nossa sociedade é regida pelo capital. Basta tomarmos exemplos como sites de relacionamentos amorosos, quando se precisa preencher um perfil de usuário é necessário preencher sua renda mensal e isso se torna um dos principais motivos de “afinidade” entre usuários, mulheres e homens não querem parceiros de renda menor.
Fazer uma escolha em prol do “amor” pode custar muito caro mais tarde, pode custar a saúde financeira individual e quem sabe até a saúde financeira da futura família que se constituiria a partir desses dois indivíduos, gerando uma separação e uma desestruturação dos membros familiares. Essa escolha define o destino do casamento de João Miramar.
O casamento de João Miramar e Célia conhece seu fim na narrativa no momento em que João Miramar perde seu patrimônio em investimentos mal sucedidos, um dos investimentos acaba gerando uma traição por parte de João Miramar, mas é clara a pouca relevância desse fato na separação comparando à sua falência financeira. Não há o menor interesse em se manter um companheiro ou companheira falido ou que atrapalhe as finanças individuais numa sociedade embasada em princípios burgueses, na qual o capital fica a frente de tudo.
Porém, fato ainda mais “interessante”, se é que podemos achar algo tão absurdo interessante, é a reaproximação, ou melhor, o despertar do sentimento paternal de João Miramar com sua filha Celiazinha, como ele próprio a nomeia. Detalhe: Celiazinha era a única herdeira da fortuna da mãe após sua morte. Outro detalhe: Célia falece pouco tempo antes de tal despertar de sentimento. Fica claro que o dinheiro não perdoa nem relação de pai e filha, tudo é regido e movido por ele.
Então nos perguntamos: será mesmo que existe amor entre as pessoas? Nessa sociedade criticada por Oswald de Andrade parece não existir ou no mínimo ser algo raro. Sociedade na qual nos inserimos hoje, com princípios estritamente burgueses ou capitalistas usando um termo mais atual. Mas um termo que não tira esse estigma de colocar o lado econômico em primeiro lugar com intuito de sempre alcançar lucro, não importando quem esteja envolvido.
O final da narrativa é que intriga com uma súbita interrupção por vontade de João Miramar. Vontade que ele diz provocada pela necessidade de um homem viúvo ser circunspeto. Traduzindo, ser cauteloso. Mas por quê? Para não falar algo que venha a parecer absurdo ou por remorso a vida que levara até o momento. Pois se o narrador considera que colocar o dinheiro frente à sua esposa e filha não ser absurdo, está completamente mergulhado nesses princípios inescrupulosos capitalistas. Talvez isso nos leve a crer que um arrependimento possa ter tomado conta de João Miramar.
Isso é um retrato fiel do cidadão atual passa sua vida em busca de mais e mais capital, e quando olha para trás se depara com um passado vazio e de ações errôneas provocados por escolhas “equivocadas”. Equivocadas porque é difícil enxergar algo que é encoberto pela sociedade sofremos muito com a influência do meio social. Talvez quem sabe, a melhor opção hoje seja fazer vista grossa e aceitar ou quem sabe lutar em prol de algo melhor e morrer tentando.
Nenhum comentário:
Postar um comentário